quarta-feira, 1 de abril de 2009

A sabedoria popular: "O velho por não poder, o moço por não saber, deitam tudo a perder:"

Os provérbios, ou ditados populares, encerram teorias do senso comum sobre vários assuntos, as quais são aceites pela maioria das pessoas como verdades incontestáveis. Tratando-se de senso comum, estas teorias não têm fundamento científico, baseiam-se em observações de comportamentos e atitudes, e traduzem-se num conhecimento empírico da realidade. Trata-se de teorias implícitas, as quais no entanto podem ter também algum fundamento científico.

Analisemos o seguinte provérbio:

“O velho por não poder, o moço por não saber, deitam tudo a perder.”

É do senso comum a expressão “ o velho por não poder”. Normalmente às pessoas mais velhas atribui-se uma incapacidade de actuar, quer a nível físico por debilidade do seu corpo e por atrofiamento muscular, quer a nível mental por perda de faculdades intelectuais, memória e concentração. No entanto do ponto de vista científico verifica-se que em todas as idades ocorrem mudanças, as quais suscitam um reajustamento ou uma adaptação à nova situação. Estas mudanças e adaptações, seguidas de períodos de estabilidade, são responsáveis pelo desenvolvimento contínuo do ser humano. Assim sendo, se por um lado a ciência comprova o aumento da debilidade física com o passar dos anos, a sua mente não sofre necessariamente o mesmo tipo de mudança e consequente adaptação. Apesar da mente humana também se encontrar em permanente mudança ao longo da vida, isso não determina que uma pessoa na fase de velhice não tenha capacidade de decisão para empreender com sucesso muitas e variadas tarefas. Desta forma “ o velho por não poder, …, deitam tudo a perder” nem sempre é verdade, pois se fisicamente existir a possibilidade de impedimento de realização de determinados trabalhos, a nível mental tal poderá não se verificar. Uma pessoa idosa poderá efectivamente ser mais eficaz na produção de um trabalho intelectual, pois o seu desenvolvimento intelectual foi fruto de várias situações, condicionadas pelo meio socioeconómico envolvente, o qual pode ser superior ao de um jovem adulto, na sua pujança física, o que poderá determinar a realização de muitas tarefas com verdadeiro sucesso, sem nada deitar a perder.

A expressão “ o moço por não saber”, também encerra alguma ambiguidade. Por um lado podemos acordar que o desenvolvimento intelectual de um moço - entendendo-se por moço um rapaz adolescente ou uma criança - é ainda imaturo. Isto significa que o estado de maturação biológica ainda é prematuro, pelo que o seu processo de aprendizagem ainda está numa fase de desenvolvimento muito rápido. É verdade que o moço pode ainda não saber determinadas coisas, pode não ter realizado as aprendizagens necessárias para efectuar as tarefas propostas. A ambiguidade desta expressão reside no facto de as aprendizagens se efectuarem através da interacção do material genético, com que nasce já equipado, com o meio onde cresce e se desenvolve o indivíduo. Desta forma o que um jovem sabe não depende apenas da sua idade, mas do enriquecimento ou empobrecimento do seu potencial hereditário o qual depende do tipo, da quantidade e da qualidade da sua relação com o meio e também do momento em que estes ocorrem (Sprinthall e Sprinthall, 2007). Depreende-se do que foi referido, que não basta afirmar que não sabe porque é jovem, pois poderá ter adquirido conhecimentos que um adulto nunca chegue a possuir, ficando assim mais dotado para a realização de determinadas tarefas.

A teoria que se encontra implícita neste provérbio refere-se à ideia de que as capacidades intelectuais máximas são atingidas na fase adulta. Antes desta fase o indivíduo encontrar-se-ia em desenvolvimento no sentido de crescer e amadurecer. Depois desta fase o amadurecimento apenas implicaria o decaimento físico. Com o aparecimento da psicologia, como uma ciência que utiliza o método experimental, chegou-se à conclusão que o desenvolvimento do ser humano não termina na fase adulta. O desenvolvimento humano é um processo que implica mudanças e consequentes adaptações, as quais ocorrem ao longo de toda a sua vida. Referindo o princípio fundamental da Psicologia, o ser humano é produto da hereditariedade em intervenção com o meio e com o tempo (Sprinthall e Sprinthall, 2007).

É certo que por vezes o velho não pode e o moço não sabe, mas isso não é sempre verdade, e não implica necessariamente que deitem tudo a perder.

 

Bibliografia

SPRINTHALL, Norman, SPRINTHALL, Richard, PSICOLOGIA EDUCACIONAL, Lisboa, McGraw Hill, 2007

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário